sábado, 10 de novembro de 2007

O que podemos fazer um pelo o outro?


O que podemos fazer um pelo o outro?

E não é que o homem tropeçou, “catou cavaca” e meteu a cara no chão. Eu ainda olhei para trás e reparei que havia um buraco na calçada. Voltei com meus olhos e fui acudir o cara. Ele deve ter ficado uns 30 segundos com a cara na calçada, talvez por vergonha ou por não conseguir levantar. Não importa, eu fui até o cara e estendi a mão. Aquela mão áspera e parda pegou na minha e fiz certa força para deixá-lo sentado. Limpei o rosto do homem e ele apontou para o buraco, eu havia imaginado. Ele estava meio zonzo e não é fácil tomar um puta tombo na Almirante Barroso no Centro do Rio. A multidão ri ou simplesmente passa por cima de você. Mas eu fiquei comovido e bati um papo com o cara que ainda não conseguia ficar de pé. Logo em frente do local onde estávamos, havia um botequim e rapidamente fui comprar uma garrafinha d’água para aquele. Fui em um pé e voltei no outro. As pessoas continuavam rindo, as outras passando, o guarda apitando, o sol queimando e eu me esforçando. Ele bebeu a água e eu estava preocupado em possíveis fraturas. Ele havia machucado os lábios e tinha algumas escoriações nos braços e a calça tinha um rasgo. Eu senti uma pena e ninguém me ajudou.
Consegui coloca-lo de pé depois de uns 10min. Ele apenas tinha sofrido um pequeno susto, mas estava se recuperando. Eu insisti para ele ir até o Souza Aguiar (hospital) comigo, mas ele dizia que estava melhor e que não havia necessidade. Fiz questão de levá-lo à farmácia e comprei alguns medicamentos para fazer um curativo. Ele já estava bem melhor, mas o calor do Rio não dava trégua e nós suávamos demais. Fiz o curativo ainda na porta da farmácia e perguntei para onde ele estava indo. Ele sorriu e disse que estava indo para o trabalho e que o turno dele estava para começar. Meu Deus! Não podia deixar aquele homem ali e ir embora. Não podia virar as costas e sair. Fiz um sinal para o táxi e ele não queria entrar de jeito maneira. Parecia uma mula empacada, mas convenci que era melhor ele tomar o táxi para não perder o expediente. O táxi estava de porta aberta e ele me deu um longo abraço. Apertou-me e disse palavras bonitas e começou a entrar no carro. Eu deixei um dinheiro com ele e instruí ao motorista para levá-lo onde ele pedisse. O homem havia aberto o vidro traseiro do táxi e disse que quando eu precisasse de qualquer coisa eu poderia procurá-lo. Eu sorria encabulado. Então ele afirmou:
- Mano, estamos juntos. Eu trabalho no cemitério do caju. Sou responsável pela manutenção dos túmulos, gavetas, sepulturas e tudo mais. Se você precisar, ou sua família, por favor, me procure que já é! Eu fiquei fixo. E ele ainda falou:
- Não esqueça. Precisando é só chegar na parada. Dou um jeito e você não paga nada, nem sua família. Você é sangue e estamos aí.
O motorista arrancou com o carro e eu fiquei olhando o cara me dar tchau pelo vidro de trás do táxi.
Saí resmungando... Porra, fiz minha parte. Sou cidadão e quero ajudar as pessoas, mas daí me oferecer préstimos funerais pra mim... vai pra porra e pra puta que te pariu...
E saí andando e imaginando... Como vou procurá-lo se eu precisar?
Eu hein!

(contos – Alexandre Hallais)

7 comentários:

Dani disse...

O que podemos fazer um pelo outro?
às vezes estender a mão e ajudar a levantar, outras, simplesmente ouvir, ou até acompanhar o silêncio.

Ele poderia ter ficado no obrigado, mas se prestou a oferecer o que mais tinha de "valor": seu trabalho.

Espero sinceramente que demore a necessitar daqueles préstimos.

Bjo

Anônimo disse...

Ah Alexandre, ótimo esse conto! Esse humor sarcástico me fascina. Até as rimas saíram musicando seu conto, ficou maravilhoso.

Quanto à vida! Ah... eu ainda tenho que aprender a mergulhar sem ter medo de me afogar.

:)

abraços! amo o que tu escreve!

Kari disse...

Lindo esse conto!
E quanto ao final, achei interessante.
Acredito que ele não teria dito por mal, ele apenas ofereceu aquilo que ele tinha. Era a única forma que ele poderia retribuir a ajuda.
Muito lindo! Gostei bastante, viu?

Ah! Saudade de tu! De conversar contigo e de saber como estas... Culpa dessa vida corrida que nunca nos ajuda, né?

Beijão,
Kari

Krika Muniz disse...

Meu querido amigo... essa é a vida... tragicômica... mais tenha em mente sempre vale a intenção de ajudar o próximo... "fazer o bem sem ver a quem"... Saudades!!!

beijos!!!

Krika

Magui disse...

KKKK.Inusitado do começo ao fim.Eu fiquei pensando eqt lia que com tudo vc ainda tinha tirado uma foto.
Como vc não tem OUTROS no seu coemnts vou suar o meu blogspot

Anônimo disse...

hehe...
história legal, não é todo mundo que tem uma disposição dessas!

Que desfecho imprevisível heim? rs...

Marcos Seiter disse...

Bah, irmão!
Ninguém merece essa gratidão. Tu ajuda o cara e o cara te devolve isso. Mas adorei o que colocastes! Lembrei de minhas caminhadas aqui pelo centro de Poa, e não só pelo centro, mas por todos os cantos aonde ando, encontro pessoas nestes estados. Fico olhando e não faço nada, mas penso: Por que eles estão neste estado? Será que seus queridos filhos os abandonaram? O que houve?

Esse mundo é totalmente desumano, que se por acaso tu ajudares uma pessoa destas(mendiga), eles ficam te olhando e riem na tua cara. É triste o cinismo dessas criaturas.

Abs e bom finde irmão!!!


Marcos Ster